top of page

2+2=4?

Francisca Silva

27 Fevereiro 2021

Certo dia, era eu universitária, conversava com um amigo, também universitário, sobre qualquer coisa. Não me lembro qual era o assunto, mas marcou-me para sempre a sua resposta ao que quer que fosse que eu estava a afirmar. Era o célebre sofisma “não existe verdade objectiva”.

1-plus-1.png

Proclamava ele o credo moderno, o “cacangelho” (que é a minha forma rude de expressar o contrário de “evangelho”. “Evangelho” significa “boa notícia” e é derivado do grego EVANGELION – EU/EV, “bom”, mais ANGELLEIN, “anunciar, contar”, de ANGELOS, “mensageiro”. Portanto, “Cacangelho” é derivado da minha total falta de conhecimento do grego e baseado numa modesta pesquisa no Google Translator – KAKOS, “mau”, mais o resto acima. Significa, portanto, “notícia má”, não só má por relação a quem a recebe, mas má na raiz, fundamento e consequências. Sinto a necessidade pueril de enfatizar a aproximação sonora com o termo “cáca”, mas não vou fazê-lo por decoro).

 

Então, proclamava ele o cacangelho que se resume nessa proposição: “não existe verdade objectiva”. Eu, na minha ignorância, senti-me muito incomodada com aquela afirmação, pois se tanta gente diz tal coisa, começo a pensar que pode ser verdade. Mas se não existe verdade objectiva, como poderia ele afirmar tal verdade objectiva? E como se prova um negativo? Não pensei estas coisas na altura, pois fui arrebatada pelo seu argumento, que era o seguinte:

 

“Por exemplo, nós tomamos como verdadeiro que 1+1=2, mas isso não é verdade em todas as situações, pois se juntares duas gotas de água, obténs UMA gota de água! Portanto, um mais um pode ser igual a um!”

 

Fiquei convencida por bastante tempo desse facto. Mas qual era o facto? É um facto que juntando duas gotas de água obtemos uma gota de água, mas o que acontece se juntarmos trinta milhões de gotas de água? Quantas gotas de água são precisas para fazer um oceano? De que tamanho é uma gota de água?

 

A “prova” que ele deu era aparentemente irrefutável, mas foi só depois de conhecer Olavo de Carvalho e Aristóteles que eu entendi como tinha sido ludibriada (e ele também). É importante fincar o facto de que ele também havia sido enganado, não sei se por outra pessoa, ou pelo próprio pensamento. Os nossos processos intelectuais não são inteiramente conscientes ou voluntários. Há uma quantidade de mecanismos que acontecem da mesma forma como funcionam os nossos órgãos físicos – involuntária e continuamente. Não sabemos ao certo como se dá a percepção na sua totalidade, mas sabemos que não a inventamos. De certo modo, “caímos” nela “de paraquedas”. Viemos a esta existência e quase tudo já lá estava antes de nós. Mas como também somos dotados de vontade, livre-arbítrio e de um quanto de poder, vivemos com o risco de nos pensarmos demasiado grandes. Dito isto, há pensamentos e raciocínios que nos colocam em estados de hipnose. Eles parecem tão exactos, tão bonitos, tão seguros, que nos esquecemos de esmiuçá-los e de nos certificarmos que o que pensamos está firmado na realidade, além das nossas abstracções. É como esculpir num bloco de pedra um belo exemplar de uma cara humana e deixar a traseira intocada. A escultura só tem sentido vista de frente, mas falta-lhe a profundidade e todos os outros detalhes, para que se pareça realmente com uma cabeça humana.

 

Como percebi a falácia daquela prova? É simples. Uma gota tem os seus limites, e há o limite em que ela deixa de ser gota e passa a ser uma poça, depois um “corpo de água”, e consoante a sua localização e muitas outras propriedades inerentes àquele corpo específico de água, ela pode ser UM lago, UM oceano, UM mar, UM regato, etc.

 

Se dissermos que trinta milhões de gotas mais trinta milhões de outras gotas é igual a UM lago, é o mesmo que dizer que quatro pedaços de madeira mais quatro pedaços de madeira é igual a UMA cadeira. Cinco pássaros mais sete pássaros da mesma espécie é igual a UM bando. Cinco mamíferos de uma espécie mais sete mamíferos de outra pode ser igual a UMA chacina. Creio que já me fiz entender. Somar números e falar sobre somar coisas são coisas diferentes, portanto, acima de tudo, o que temos aqui é uma questão de LINGUAGEM. Utilizamos a palavra “UM”, “DOIS”, ou “TRÊS”, para nos referirmos a quantidades reais, mas a equação linguística é constituída por SUBSTÂNCIAS ou CONCEITOS distintos.

 

Uma gota de água é uma substância? Ou é apenas um acidente inerente à substância “água”? Quanto dá uma água mais uma água? Dá uma água ou duas águas? É uma questão de linguagem. Uma água, duas águas, trinta milhões de águas, tudo isto são figuras de linguagem que têm um propósito expressivo, poético ou descritivo.

 

Se queremos ser exactos na descrição da realidade, dizemos que uma gota de volume 0,049 mais outra gota de volume 0,049 é igual a uma gota de 0,098, e aqui falamos de três objectos distintos. Quando fazemos a conta matemática 1+1=2, o 1 é sempre igual a 1, e o 2 igual a 2. Quando somamos gotas hipotéticas elas podem ter qualquer tamanho desde que sejam gotas, mas o resultado será sempre linguístico, e nunca uma descrição minuciosa ou exacta da realidade concreta.

 

Em suma, a nossa realidade é que às vezes as palavras nos ajudam, e outras vezes nos atraiçoam, e quando pensamos que provamos algo real, provamos apenas a polivalência do discurso em si, que é uma qualidade do discurso. O nosso problema hoje é que achamos que dizer que quatro pedaços de madeira mais quatro pedaços de madeira é igual a uma cadeira, é o mesmo que dizer que um homem menos o seu órgão sexual mais uns implantes mamários é igual a uma mulher. O senso do real foi violado.

 

Aqui se encontra a diferença entre conclusões alcançadas pela via ideológica e conclusões alcançadas pela via da observação da realidade. Dizer que 2+2=4 é racista, é não só ser totalmente ignorante na matemática, mas também na linguagem, e pior, no senso do real. Dizer que a matemática é politicamente ideológica é viver segundo o credo moderno, é ser servente do cacangelho, é ser um sacerdote pela destruição da inteligência e das almas. Ser um pregador desse cacangelho, ao contrário do que diz a sua doutrina – que não existe verdade objectiva – é proclamar como verdade objectiva uma contradição lógica e uma falsidade.

131466970_4052944044730157_5456963486575

Escritora

FRANCISCA SILVA

Da sede de conhecer

Ao abraço do Ser

---------------------------------

QUERO DOAR

O LABORATORIUM é um projecto concebido e realizado sem financiamento, por pessoas que dedicam o seu tempo livre à recolha e compilação de informação essencial à humanidade. Visto que este projecto vive de voluntariado, aceitamos e agradecemos doações de qualque valor.

​

Para este fim, criámos uma campanha de Crowdfunding, disponível aqui.

​

Caso não possa ajudar em termos financeiros, pedimos humildemente que partilhe o nosso projecto com amigos interessados ou nas redes sociais. Bem haja!

  • Facebook
bottom of page