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Inferno Eterno ou Segunda Morte?

Carlos Leite da Silva

4/2/2021

Um dos paradigmas que mais tem prejudicado a humanidade e a afastado da compreensão da natureza de Deus, bem como do genuíno amor a Deus, é o conceito do inferno. Muitos rejeitaram a Deus e abraçaram o ateísmo e o agnosticismo por lhes ter sido dito que esse Deus teria criado um inferno eterno para os transgressores da lei divina.

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No caso do Alcorão, o inferno é um dos fundamentos da revelação islâmica. Isso é compreensível e se adéqua ao caráter de Alá e Maomé, reforçando ainda mais a noção de que o Alcorão não é revelação divina mas sim expressão humana, e creio que seja mesmo uma ferramenta dos anjos caídos na conspiração contra Jesus e a causa divina. São poucas as páginas do Alcorão que não fazem menção à condenação ao inferno. Os versículos corânicos ficam repetindo à exaustão como os descrentes estão destinados ao inferno.

 

Constatamos um fenômeno digno de estudo antropológico e bem revelador da natureza humana, quando observamos qualquer muçulmano ou cristão no momento em que defende o conceito de que os descrentes estão condenados ao inferno de sofrimento eterno. Habitualmente essas declarações são acompanhadas por sorrisos triunfantes, ou pela expressão de uma raiva aparentemente justificada e santificada diante do altar da crença única e verdadeira. Estou usando de ironia, mas a verdade é que são esses alguns dos sentimentos que acompanham as declarações dos crentes indefectíveis no conceito do inferno de sofrimento eterno. Ninguém fala mornamente ou tecnicamente sobre o inferno. Ou falam dele triunfalmente ou arremessando-o com toda a raiva aos desafetos religiosos. Isso revela bem como o conceito de condenação a um inferno de sofrimento eterno é algo puramente do ego humano, algo que satisfaz o desejo humano de vingança e desforra, algo que no âmago revela um complexo de superioridade, seja superioridade religiosa, moral, espiritual ou outra.

 

Não é preciso ser um gênio da espiritualidade nem santo para perceber que o conceito da condenação a um inferno de sofrimento eterno nada tem a ver com a natureza de Deus ou a lei divina. Seria possível Deus pegar num ser humano que pecou durante umas poucas dezenas de anos de vida e pô-lo a “fritar” no fogo eterno, sentindo a todo segundo de uma eternidade inesgotável as dores inenarráveis do sofrimento físico, psicológico, emocional, espiritual? Qualquer um de nós, pelo menos os adultos, tem uma boa percepção do que é um sofrimento agudo, seja físico ou emocional. Essa dor que você experimenta agudamente por segundos, dias, meses ou anos, você consegue imaginar que o seu Pai divino faria questão de deixá-lo a sentir isso eternamente, dia após dia, segundo após segundo, sem jamais ter um fim? Que grau de patética perversão levaria Deus a uma sentença tamanha? Como seria possível que o nosso Pai Perfeito, o modelo absoluto de toda bondade, compaixão e misericórdia, na hora em que fosse aplicar a sua também perfeita justiça, se comportasse de modo inferior aos mais inferiores entre os mais doentes, perversos e sádicos seres humanos psicopatas?

 

Algo nessa equação não funciona, não é mesmo?

 

E se tivéssemos dúvidas, aqui veio Jesus para mostrar como é a natureza de Deus. Quem viu o Filho, viu o Pai. Você sabe de algo que Jesus tenha feito em algum momento que evidenciasse que ele aceitaria que alguém ficasse sofrendo eternamente? Bem o contrário de tudo o que ele mostrou, não é assim?

 

Claro, tenho bem consciência de que os defensores do conceito da condenação a um inferno de sofrimento eterno se apoiam em diversas passagens bíblicas. Mas, como claramente esse conceito é como um insulto e uma abominação à natureza perfeitamente justa e misericordiosa de Deus, então algo foi mal entendido nas Escrituras.

 

Só poderia haver duas fontes para a origem desse desentendimento e desvio. Uma delas seria quando o autor de algum texto bíblico acreditasse no conceito de um inferno de sofrimento eterno, o que poderia ter ocorrido quando parcelas das Escrituras fossem registradas se ajustando às crenças pessoais do cronista. A outra, que é a mais essencial causadora desta situação, foi devida a traduções e interpretações inadequadas das Escrituras.

 

No Antigo Testamento não existia o conceito de um inferno de sofrimento eterno. Havia o “sheol”, que era o lugar para onde iam os mortos, mas onde não se ficava em sofrimento eterno. E a referência que Jesus fez não foi ao inferno eterno, mas sim à “Geena”. A Geena era a lixeira que existia fora de Jerusalém e que ardia ininterruptamente na queima de detritos ali descarregados todos os dias. Também ali eram despejados os cadáveres de criminosos e indigentes, que ficavam ardendo no meio dos detritos. O fogo ali ardia sem parar, e os vermes se alimentado da podridão eram a fauna dominante. Ora, essa representava a condenação mais ignominiosa para um judeu, ter seu cadáver não sepultado era um destino atroz para um povo que acreditava na ideia errônea de que o seu corpo seria ressuscitado fisicamente no fim dos tempos. Jesus referiu a Geena para impressionar as mentes judias dos seus ouvintes com um simbolismo forte, não estava se referindo a algo factual.

 

Uma passagem de Isaías (66:24) é reveladora disso:

 

"Eles sairão e verão os cadáveres dos homens que prevaricaram contra mim; porque o seu verme nunca morrerá, nem o seu fogo se apagará; e eles serão um horror para toda a carne."

 

Essa queima era para os corpos, não as almas. Vejamos o que a Bíblia fala sobre a segunda morte:

 

Ezequiel 18:4 e 20:

​

“A alma que pecar, essa morrerá.”

 

Apocalipse 20:14-15:

​

"Então, a morte e o inferno foram lançados para dentro do lago de fogo. Esta é a segunda morte, o lago de fogo.

E, se alguém não foi achado inscrito no Livro da Vida, esse foi lançado para dentro do lago de fogo."

 

Apocalipse 21:8:

​

"Quanto, porém, aos covardes, aos incrédulos, aos abomináveis, aos assassinos, aos impuros, aos feiticeiros, aos idólatras e a todos os mentirosos, a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte."

​

 

Ou seja, a Bíblia diz que o lago de fogo significa “a segunda morte”.

 

De fato, o conceito da condenação ao inferno de sofrimento eterno foi uma invenção posterior para usufruto de sacerdotes e pastores numa estratégia de controle psicológico e espiritual dos seus rebanhos de crentes.

 

O que na verdade acontece aos seres humanos que não queiram prosseguir na carreira da eternidade ou que não tenham se graduado para serem ressuscitados é o que se chama de segunda morte. A Bíblia fala da segunda morte, e essa é, inequivocamente, a via misericordiosa e justa estipulada na lei divina para libertar o ser humano ou anjo de uma eternidade que ele não deseje. E quando não é uma questão da vontade da criatura, no uso do livre arbítrio que o Criador lhe concedeu, mas sim uma decisão de Deus, então é porque essa criatura atingiu uma iniquidade tão abjeta que apagou, ela mesma, toda a luz e toda a possibilidade de o Espírito de Deus habitar em sua mente e coração. A partir daí é como se a criatura tivesse perdido todo mínimo vínculo com a realidade, e, consequentemente, deixa de existir na realidade criada e sustentada por Deus, é simplesmente obliterada do cosmos e da existência.

 

Outra queixa típica de pessoas que acreditam no inferno de sofrimento eterno é esta: então o pecador sai impune dos seus crimes? Em vez de ficar a arder no inferno, como merece, é simplesmente apagado da existência e não fica sofrendo pelo sofrimento que causou a outros? Ele ou ela não são castigados devidamente pela justiça de Deus?

 

Essas pessoas estão se esquecendo do que Jesus mostrou claramente. A divindade faz tudo para salvar os seus filhos. A divindade não se vinga, perdoa. A divindade é o Pai do filho pródigo, sempre. E se o filho chega num ponto de “insanidade cósmica” em que perde toda capacidade de se reabilitar mentalmente para buscar voluntariamente o abraço do Pai divino, então por que o Pai divino, além do sofrimento de ter perdido um filho, ainda teria que ficar torturando esse mesmo filho, e por uma eternidade inteira? Nem os pais humanos teriam estômago para isso. E queremos que o nosso Pai perfeito, absolutamente justo, ficasse condenado Ele mesmo a torturar eternamente as suas criaturas que Ele tanto ama? Lembre-se: Deus odeia o pecado e ama o pecador. E mesmo que não amasse, como poderíamos imaginar que Deus instituiria uma condição de vingança eterna contra alguém? Que Deus de índole tão cruel e vingativa é esse em que alguns acreditam? Esse deus não é o Deus que Jesus nos revelou.

 

Uma coisa é certa: no julgamento da alma, Deus usa de perfeita e absoluta equidade, de sublime bondade e misericórdia, bem como de perfeita justiça, e não atua por caprichos arbitrários próprios apenas da emotividade humana.

 

Somente passamos por uma única vida física, a primeira. Depois da ressurreição teremos corpos de alma, sutis, não materiais, corpos gloriosos como aquele com que Jesus apareceu aos seus apóstolos e seguidores após a sua ressurreição.

 

O leitor já se perguntou por que as mulheres que primeiro viram Jesus ressuscitado não o reconheceram senão quando ele falou? E os dois discípulos com quem Jesus seguiu o caminho de Emaús, conversando durante horas, também eles não o reconheceram. É que Jesus estava com uma aparência totalmente diferente. Seu corpo era um corpo que reveste as almas, não era de matéria física, era o corpo glorioso.


Há uma colocação meio desconcertante no Livro do Apocalipse sobre haver a “primeira ressurreição” (que pressupõe outra ressurreição posterior) e haver a “segunda morte”.


4 Vi também tronos, e nestes sentaram-se aqueles aos quais foi dada autoridade de julgar. Vi ainda as almas dos decapitados por causa do testemunho de Jesus, bem como por causa da palavra de Deus, tantos quantos não adoraram a besta, nem tampouco a sua imagem, e não receberam a marca na fronte e na mão; e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos.

5 Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos. [...] [N. A.- Esta é a ressurreição milenar, ao fim da dispensação]

6 Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição [N. A.- Esta é a ressurreição ao terceiro dia]; sobre esses a segunda morte não tem autoridade; pelo contrário, serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele os mil anos.
 

​

Os seres humanos que saem da Terra mais avançados espiritualmente são ressuscitados ao terceiro dia, como Jesus foi. Essa é a primeira ressurreição. Os “restantes dos mortos” somente serão despertados ao final de uma dispensação milenar. Com a ressurreição de Jesus também foi decretado o fim de uma dispensação, e então todos os mortos da era anterior, a qual durou milênios, foram ressuscitados. O mesmo acontecerá neste próximo fim de dispensação. Mas voltarei com mais detalhes sobre isto mais adiante.

 

Pela porta da morte, o ser humano, se quiser, está apenas começando a sua aventura cósmica rumo à perfeição e glória de Deus, inspirado e residido no coração e mente por uma centelha divina desse mesmo Deus invisível, o Pai Criador de todos.

 

Que viagem magnífica nos espera, em vez da ingênua e pueril perspectiva de cair num inferno de um deus sádico ou ascendermos a um céu de prazeres e ociosidade feitos à medida dos desejos egocêntricos humanos! Em vez disso ascenderemos para a crescente revelação do Pai Universal, do Filho Eterno e do Espírito Infinito caminhando e evoluindo lado a lado com humanos e anjos, em sociedades perfeccionadas onde impera o trinômio do constante e balanceado trabalho, estudo e diversão útil. Não há ócio vazio na eternidade. O Pai Universal não para, e os filhos devem imitar o Pai.

 

“Sede perfeitos como o Pai é perfeito” é o comando universal.


 

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Nota:

Este artigo está composto de excertos da obra:

“Apocalipse agora, seremos a geração do ‘fim dos tempos’?”

 

Pode adquirir o livro completo – ebook ou impresso – no seguinte link:

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CARLOS LEITE DA SILVA

Escritor

As suas obras recorrem primordialmente à História, Arqueologia e Religião para trazer à razão o conhecimento da grande origem e destino existenciais, e assim lançar luz sobre o entendimento do presente.

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