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A importância de investigar

a verdade

Francisca Silva

Se a finalidade natural de qualquer coisa é o bem dessa coisa, e, por consequência, a finalidade de todas as coisas em conjunto é o supremo bem, então porque existe no Homem um lado negro que o leva por demais vezes a alimentar intenções maliciosas? Em primeiro lugar, porque a maldade não se constitui como uma finalidade em si, no sentido filosófico. Ela é antes um factor da realidade, ou melhor, um potencial da realidade inerente à natureza humana dotada de livre-arbítrio.

 

O livre-arbítrio pressupõe a possibilidade do mal, e esta possibilidade é o que torna possível ao homem escolher o bem, ou, por outras palavras, servir a Deus, e ser mais parecido com Ele. As más intenções no coração humano não se caracterizam pela finalidade do mal, mas sim por uma conjugação de desejos que, em última instância, tem uma ideia distorcida de bem como meta suprema. Exemplo:

 

Certas ideologias políticas – sistemas lógicos funcionais internamente, no entanto falaciosos pois distanciados da estrutura orgânica da realidade – têm como objectivo alguma ideia de bem supremo, de bem comum, um mundo melhor, enfim, o paraíso na Terra. No entanto, todas essas ideologias trazem em si a semente da destruição, alheia e própria, pela mesma razão pela qual são erigidas – a ideia de que é possível o paraíso na Terra (sem Deus, nas ideologias seculares), e a forma de concretizá-lo é através da acção humana de forma coerciva – seja ela assumida ou subtil. Não se trata da acção humana apenas sobre a natureza, mas sim sobre o semelhante. Para que uma ideologia seja implementada, ela precisa de propaganda, manipulação da linguagem, e sobretudo de um sistema de adestramento comportamental, baseado em recompensas e castigos. Recompensas para quem segue o regime, e castigos – por vezes até aniquilação – para quem desafia ou rejeita o regime.

 

A implementação de um regime ideológico deste tipo exige a aceitação por parte das massas da seguinte tese: é dever do homem criar o paraíso na Terra. Por sua vez, esta tese exige a aceitação das premissas subjacentes – a) que o paraíso terrestre é possível, e b) que é o homem quem PODE criar esse paraíso, e por isso c) ele SABE o que é o bem supremo. Ora, se o homem comum soubesse de forma tão imediata e directa em que consiste, na prática, o Bem supremo, não seríamos todos sábios? Não seríamos todos filósofos? E, se fôssemos de facto essas coisas, o nosso mundo não seria já um paraíso na Terra? A resposta é sim, mas ela contrasta drasticamente com a realidade. Em vista desta conclusão, sou obrigada a refrear o desejo humano genuíno de criar o tal paraíso na Terra e, antes de qualquer coisa, dedicar-me a descobrir em que consiste o Bem supremo de facto. Este é o trabalho necessário para qualquer um que deseja aprimorar a arte da escolha.

 

O indício que distingue uma ideologia de verdadeira filosofia é o seguinte: as ideologias são sistemas, e, por isso, são objectos fechados. São produto de uma faculdade da imaginação humana (que terá sempre um quanto de ignorância) que tende para a fantasia e cristalização. A filosofia, pelo contrário, deve ser aberta e não-sistemática, no sentido em que ela deve ser mais uma descrição do que uma construção. Se ela busca as causas primeiras – empreendimento monstruoso – ela usa outra faculdade da imaginação humana – o discernimento, a capacidade de inteligir o que é verdadeiro e universal. Haverá sempre um horizonte de ignorância, e é precisamente a aceitação desse facto que permite ao homem proteger-se dos dogmas ideológicos.

 

Se chegarmos à conclusão de que, afinal, as ideologias provocam a destruição, temos de questionar por que a maior parte dos seres humanos escolhe funcionar nesses termos na sua relação com o mundo. Por que os seres humanos adoptam ideologias ao invés de ingressar numa investigação sincera sobre a verdade e o bem? Uma das razões é a facilidade implícita na escolha desse caminho, ou seja, a ideologia já vem pronta, basta aceitá-la e viver segundo ela, não exige trabalho nem esforço reflexivo – nem a angústia do pensar. E para quem inventa as ideologias, qual seria a resposta à mesma questão? A resposta imediata seria: inventar um sistema também não exige tanto esforço da inteligência como descobrir a verdade. É mais fácil usar a imaginação para a fantasia do que para o discernimento. Além disto, e talvez mais relevante, é o facto de ser conferido ao ideólogo um poder, seja por si mesmo ou pelos seus seguidores, que facilmente pode levar uma pessoa emocionalmente despreparada a delírios de grandeza.

 

As ideologias têm o caminho aberto em sociedades que desistiram do ofício filosófico, em que a massa crítica se tornou refém da aprovação social por meio de um consenso dissimuladamente tirânico. É lógico que a culpa não é do “consenso tirânico”, mas sim dos seus patrocinadores. É a clássica “pressão dos pares” em acção.

 

Ao perceber estas nuances da existência humana é que fazemos a pergunta: se a finalidade de qualquer coisa é o Bem supremo, porque continua a haver uma aparente maioria disposta a incorrer em riscos de genocídio, suicídio e destruição geral? A resposta simples é: porque essa maioria não busca a verdade nem o Bem, mas pensa que sim, e é mesmo capaz de adulterar a interpretação de qualquer facto para se convencer de que é a detentora da verdade.

 

A arte e a ciência, no seu sentido original e segundo Aristóteles, vêm da experiência. A experiência vem da memória repetida e a memória é imaginação. Eis a importância mortal de domar o imaginário segundo o que é verossímil. Pois se a imaginação está corrompida, também estarão inevitavelmente a arte e a ciência, e, por consequência, a civilização humana.

 

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Escritora

FRANCISCA SILVA

Da sede de conhecer

Ao abraço do Ser

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