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O Trigo

e o Joio

Francisca Silva

13 Fevereiro 2021

Jesus utilizou parábolas para se comunicar de forma eficaz com todos os graus de intelecto, pois ele sabia que a mente humana se serve de analogias para compreender o mundo e estar ancorada na realidade. Porém, nem todos os intelectos estão capacitados para atingir o mesmo grau de profundidade, seja por falta de prática, por algum mal físico, ou simplesmente por má vontade. Por isso ele desenvolveu estas pequenas histórias de modo a que elas surtam efeito na mais oprimida das mentes.

Diferença-Entre-o-Trigo-em-Grão-e-o-Joio

Parábola do Trigo e do Joio - Evangelho segundo São Mateus (13:24-30):

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24  Outra parábola lhes propôs, dizendo: "O Reino dos céus é semelhante a um homem que semeou boa semente em seu campo;

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25  mas, enquanto os homens dormiam, veio o inimigo dele, semeou o joio no meio do trigo e retirou-se.

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26  E, quando a erva cresceu e produziu fruto, apareceu também o joio.

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27  Então, vindo os servos do dono da casa, lhe disseram: Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde vem, pois, o joio?

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28  Ele, porém, lhes respondeu: Um inimigo fez isso. Mas os servos lhe perguntaram: Queres que vamos e arranquemos o joio?

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29  Não! Replicou ele, para que, ao separar o joio, não arranqueis também com ele o trigo.

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30  Deixai-os crescer juntos até à colheita, e, no tempo da colheita, direi aos ceifeiros: ajuntai primeiro o joio, atai-o em feixes para ser queimado; mas o trigo, recolhei-o no meu celeiro."

 

 

Uma reflexão sobre a parábola:

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A intenção deste texto não é substituir a explicação contida na Bíblia - Mateus 13:36 -, mas acrescentar uma camada de compreensão sobre a nossa realidade a partir desta analogia.

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O trigo é o alimento que é guardado no celeiro. O trigo produz fruto que alimenta, e o joio é uma erva daninha que o homem não consome. Jesus utilizava parábolas como esta para criar uma analogia entre o mundo terreno e o mundo espiritual.

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A semente do trigo é a semente que traz, em potência, frutos espirituais; a do joio não dá fruto. Por isso se associa o trigo e o joio, respectivamente, ao bem e ao mal - o bem produz frutos espirituais e aproxima o homem da realidade; o mal não produz frutos espirituais e afasta o homem da realidade.

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A semente é plantada na terra, e os homens tratam do campo. Se as sementes são o bem e o mal, e estes dois conceitos germinam apenas no homem, então, nesta parábola, de certo modo, a terra é o homem, mas ele também é os servos que colhem as plantas, separando-as da terra e guardando-as no celeiro - é a natureza dual do homem, material e espiritual.

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O campo pertence ao dono, pertence a Deus, assim como os servos lhe pertencem também. O campo é a mente do homem, e a mente humana é constituída de um mecanismo físico, sensorial, e de um mecanismo psico-emocional. Aqui são plantadas as sementes, as ideias, os conceitos. Os homens que trabalham no campo, que ceifam e obedecem ao dono, simbolizam a parte do homem que aspira ao espírito. É esta parte de nós que discerne, intelige, julga, e reconhece e escolhe o bem maior. Simbolizam a consciência do homem no seu mais alto nível. Após a ceifa, é a consciência que separa o trigo do joio, segundo a orientação de Deus.

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O joio amarra-se em feixes para ser queimado, e o que se desfaz no fogo não perdura, não tem substância espiritual. O trigo é guardado no celeiro - é o alimento, são os frutos do espírito.

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As sementes boas (as que dão frutos espirituais) são plantadas no campo (na mente humana) por Deus; as sementes más (as que não dão alimento) são plantadas no campo (na mente humana) por um «inimigo», que vem enquanto os trabalhadores dormem. De seguida, retira-se.

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Aqui, dormir significa a inconsciência, a negligência, e a falha em estar vigilante. Se o «campo» da parábola é a mente humana, tomemos atenção ao facto de que é possível que as ideias sejam "plantadas" em nós na vida real. Tomemos redobrada atenção aos «inimigos» que nos rondam, e que agem sobre nós "enquanto dormimos".

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Ainda que os homens dormissem, o «dono» sabia o que havia acontecido. É ele que declara: Foi um inimigo que fez isso. Ele não dorme, e tudo sabe. Deus não dorme, mas Ele descansou ao 7º dia. O «descanso» de Deus está relacionado com o livre-arbítrio das criaturas: Ele não dorme, mas permite e vigia a acção dos homens, e qualquer acção Ele aproveita para a finalidade do Seu Plano Divino. Então o mal (as sementes de joio) aparece com a permissão de Deus, pois Ele próprio impôs como lei a potência do livre-arbítrio.

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Não pode haver um criador igual ao Criador, que é a fonte e a causa de tudo, por isso esse «inimigo» não está no mesmo nível que Deus. Todo o ser que existe é criado por Deus, por isso esse inimigo é também alguém que foi criado por Deus. Na parábola, ele simboliza genericamente as pessoas iníquas, que escolhem disseminar o mal, isto é, influenciar os outros a tomar decisões que não produzam frutos espirituais e que resultem na sua desgraça espiritual.

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Inimigo é aquele que ama as coisas que nós odiamos e odeia as coisas que nós amamos. Se Deus odeia o pecado, mas ama o pecador, o inimigo de Deus ama o pecado e odeia o pecador - odeia a pessoa, por isso esforça-se pela sua destruição. Ele semeia o joio, uma planta parecida com o trigo, para tentar enganar a consciência, e levar o homem a acolher o mal no seu ser. Aqui está uma lição vital: nem tudo o que parece é, e por vezes o que parece bom, é na verdade mau. Sabemos distingui-los? Só uma consciência desperta que aspira ao divino pode desenvolver tamanha clarividência.

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O potencial do mal decorre naturalmente da Criação por causa do livre-arbítrio, e porque somos seres imperfeitos. Seres imperfeitos erram, e com o erro podem aperfeiçoar-se. Já a manifestação do mal decorre da escolha. 

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Se Deus não quer arrancar o joio, porque pode acontecer de assim se arrancar o trigo, é porque eles estão embrenhados pela raiz debaixo da terra - isto é, estão ligados conceitualmente na mente do homem, e as tentativas de abolir o mal podem resultar na abolição do bem. Não vimos isso acontecer em ideologias recentes? Todos os sistemas de crenças propostos no século XX que visavam levar a humanidade a uma espécie de "Estado Perfeito" tinham em comum uma estrita intolerância, cujos critérios não se aproximavam em essência do que consideramos como valores universais. Essa intolerância levou, desgraçadamente, à execução dos piores dos actos que um homem pode permitir, e tudo isto por uma obsessão pela vitória sobre o "Mal". 

Louis Lavelle, filósofo francês, no início do século XX diz, na sua obra Cadernos de guerra - Na frente

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"O homem suporta mal tudo o que acredita poder evitar; mas uma vez que os males, as fadigas e as penas são necessários, que é impossível escapar-lhes, a nossa paciência e a nossa capacidade de resistir são indefinidamente estendidas."

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"Bem" e "mal", nesta parábola, são conceitos unidos - não pela natureza de Deus, mas pela natureza do homem. Dentro de nós, a noção do bem cresce na mesma medida que a noção do mal. Quanto mais sensíveis estamos ao bem, mais repulsa temos ao mínimo mal. E se for ao contrário, quanto mais identificados estamos com o mal, mais odiamos o mínimo bem. Portanto, o risco que corremos não é tanto "tornarmo-nos joio", como por vezes se interpreta esta parábola, mas sim, tornarmo-nos o «inimigo».

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Após a ceifa, o joio será queimado, e o que é queimado desaparece. Isto é, no seio de Deus - no seio da realidade existencial - o mal não existe, porque ele não tem substância, é um acidente, uma mera potencialidade.

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O Reino dos céus é feito de homens que souberam escolher e colher os frutos do espírito. O «inimigo», que é a figuração da iniquidade, não chega a entrar no Reino. Ele pode espalhar a semente apenas no campo - no homem terreno. O Reino está interdito, pois é apenas na colheita que os seus portões se abrem.

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Observações

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Embora esta interpetação foque em aspectos diferentes da explicação dada na Bíblia em Mateus 13:36, - "A explicação da parábola do joio" - esperamos que esta reflexão possa acrescentar algo à nossa compreensão das palavras de Jesus. Permitamos que o nosso pensamento seja livre e corajoso. Juntemos à imaginação a dose necessária de sensatez, pelo menos, tanto quanto nos é possível. Temos um longo caminho pela frente.

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Relativamente à explicação em Mateus 13:36, consideramos possível que os ceifadores sejam os anjos e a ceifa a consumação do século. As pessoas que durante a vida terrena se rendem ao mal, que o manifestam e o personalizam, caminham para a irrealidade - perdem a substância. Por isso são "queimados", isto é, tudo o que não tem substância espiritual, esvanece no fogo divino.

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A explicação na Bíblia coloca as boas sementes (trigo) como "os filhos do reino", e as más (joio) como "os filhos do maligno". Há que ter precaução em não deixar que esta interpretação produza preconceitos, levando-nos a crer que existem, de raiz, pessoas más e pessoas boas. Este pensamento anula a possibilidade de mudança, e não é coerente com a natureza de Deus. Vejamos:

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Em primeiro lugar: Se as sementes são pessoas boas e pessoas más, significa que Deus plantou pessoas boas, e «um inimigo» - o diabo, segundo a Bíblia - plantou pessoas más. Esta interpretação força-nos a admitir que existe um outro ser, que não Deus, que tem o poder criador como tem Deus. Se admitirmos esta premissa, parece que Deus perde certos atributos. Se existem dois Deuses, a qual chamamos a Primeira Causa? A qual chamamos a Origem? A qual chamamos o Controlador? E a qual chamamos a Providência?

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Se existem dois seres omnipotentes, não se anulam um ao outro?

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Em segundo lugar: Às vezes, seguindo esta interpretação, há quem retire a lição de que "o trigo se pode transformar em joio", isto é, uma pessoa boa pode transformar-se numa pessoa má. É verdade que corremos esse risco, mas é verdade que o trigo pode transformar-se em joio? Isso seria contra a firmeza da realidade. 

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Pode argumentar-se que estamos a contrariar a Bíblia, mas a realidade é que este livro foi construído e escrito por homens, então é passível de conter erros. Não afirmamos que esta passagem da explicação está errada, pois não temos como prová-lo, mas admitimos a possibilidade de que haja afirmações incluídas no livro por motivos de controlo social.

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Pode também argumentar-se que estamos a levar a parábola muito "à letra", mas seria bom considerarmos o seguinte: Jesus Cristo foi a pessoa mais inteligente que caminhou neste planeta. Como tal, ele tinha um conhecimento profundíssimo, não só da natureza humana, mas também da natureza do mundo espiritual. Ao escolher elementos para criar analogias e histórias, não seria ele perfeitamente minucioso e cuidadoso para reduzir os mal entendidos? Portanto, não parece que ele quis mostrar simplesmente que uma pessoa boa pode tornar-se má, mas sim explicar como isso acontece, e a razão disso acontecer. A razão disso acontecer é que o mal está dentro da mente humana, e a forma como isso pode acontecer é por meio do "adormecimento" da consciência.

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Os detalhes não podem ser deixados ao acaso e, se identificarmos alguma contradição ou algum pormenor que não funciona analogicamente, pode ser que estejamos a compreender errado. Isto é natural. A nossa inteligência vai apenas até certo ponto, mas nós, que nos comprometemos com a verdade, faremos as curvas e desvios necessários até encontrarmos o Caminho.

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Escritora

FRANCISCA SILVA

Da sede de conhecer

Ao abraço do Ser

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