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Polikuchka, o Enforcado

1863

Liev Tolstoi

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Polikuchka, um camponês subalterno numa pequena comunidade de tipo feudal na Rússia do século XIX, é um pai de uma família pobre e numerosa. É infame pelos seus hábitos delinquentes que, segundo o autor, são praticamente inevitáveis para a personagem. Serão inclinações da própria personalidade, firmadas por hábitos resultantes de uma vida de pobreza e adversidade.

 

Polikuchka não é um tipo de homem malicioso ou mal intencionado, mas movido pelo instinto de sobrevivência típico de quem vive afundado na escassez. A sua delinquência é, digamos assim, menor, constituindo-se principalmente de embriaguez e de pequenos roubos “de ocasião” com vista a lucrar míseras quantias. Não obstante, é uma figura de péssima reputação na comunidade.

 

Por algum motivo que não chegamos a saber, a senhora, a patroa do sítio, tem um carinho especial pela família de Polikuchka, perdoando-o sempre, e corrigindo “a moral dele por meio de sermões evangélicos”.

 

A trama inicia-se quando a patroa envia Polikuchka numa viagem, confiando-lhe a missão de ir buscar uma certa quantia em dinheiro. Esta oferenda de confiança enche-o de orgulho e de esperança em limpar a sua reputação. Com tal anseio na alma lança-se à estrada, e para sua satisfação revela-se capaz de rejeitar as várias tentações que se lhe interpõem pelo caminho. Recusa-se a entrar nas tavernas enquanto não cumpre sua missão, e assim nos é mostrado como se comporta um homem disposto a mudar a sua vida.

 

Pois bem, quis o destino (ou o autor) que Polikuchka, não por acto voluntário, perdesse o dinheiro da patroa pelo caminho. Ao perceber que perdeu o dinheiro, volta para trás para procurá-lo. Ao não encontrá-lo, volta para casa, saúda sua esposa dizendo que tudo correu bem, agarra uma corda, e enforca-se no sótão. Fá-lo sem proferir palavra, sem procurar ajuda, sem tentar explicar-se. Fá-lo por uma decisão definitiva e irremediável.

 

Embora o livro seja muito curto, existem mais eventos que não vamos expor aqui, pois este texto pretende apenas reflectir sobre o suicídio da personagem.

 

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Análise

 

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Encontrei poucas análises e críticas a este livro, mas dessas poucas, todas referiam a intenção de Tolstoi, como escritor realista, de criticar a sociedade da época, e no seio dessa crítica estaria o facto de que a sociedade era demasiado opressiva. Chegara-se a tal conclusão pela assunção de que Polikuchka se suicidara pois sabia que ia ser violentamente repreendido por seus pares e superiores.

 

É uma interpretação possível, mas não a única, nem a que mais se encaixa na obra como um todo. Obviamente, assumimos que a única pessoa que conhece as intenções profundas e reais dos escritores é Deus, pois por vezes nem os próprios escritores percebem qual a real causa eficiente de suas criações.

 

Se o motivo do suicídio fosse somente o medo da repreensão social, como se explica que foi esta situação e não outra que o despoletou? Por que foi uma situação da qual Polikuchka não tinha culpa, e não uma em que ele realmente dava motivos à sociedade para culpá-lo?

 

Para pensar esta questão, vale a pena lembrar um pouco da vida e mente do próprio Tolstoi, pelo menos, até onde conseguimos ver. Ele próprio dançou com pensamentos suicidas durante um período da sua vida, e uma das problemáticas que mais se fincava no seu espírito era a relação com Deus, com o pecado, e com a sensação de “ser ruim”. Tolstoi, como ele próprio assumiu em Uma Confissão, lutava contra a fé pelo receio de ter de admitir a sua própria malícia, condição de homem. No seu processo de conversão, abandonou a frequentação social elitista que tinha até então. Por aqui se vê que ele acreditava que existia alternativa ao suicídio, quando se sentiu oprimido pelo meio social.

 

Já a nossa personagem opta pelo suicídio após um evento fortuito e incontrolável. Polikuchka já era mal visto, e até odiado por alguns. Não há razão suficiente para se pensar que ele tenha escolhido morrer para não ser repreendido pelo meio social. Mais plausível é que, na luta consigo próprio, no íntimo de sua alma, Polikuchka haja visto a sua última esperança de fazer algo bom derrotada. Foi justamente quando o nosso protagonista decidiu vencer seus vícios e o fez com sucesso que o destino lhe tirou o tapete ao recusar-lhe uma recompensa pelo seu bom comportamento, e pior, criar-lhe mais um problema. O êxito desta missão, para Polikuchka, era uma questão de vida ou morte.

 

Ora, sabemos também, ou pelo menos somos da opinião de que Tolstoi possuía fortes traços moralizantes, e suas obras tendem a ter uma mensagem, advertência ou publicidade que eventualmente se liga a algum preceito moral, uma ideia nobre ou a alguma questão da alma. Por este ponto de vista, podemos também especular que haja uma vontade moralizante do autor em jogo, à maneira do antigo conto Pedro e o Lobo.

 

Moralismos à parte, considero que o sumo desta obra está na reflexão que incita sobre a relação do homem consigo mesmo perante o lado aparentemente absurdo e irónico da vida. Polikuchka, quando roubava e bebia, chorava em frente à patroa e era perdoado. No entanto, quando falhou na missão que lhe dava a oportunidade de redimir para si próprio os seus actos passados, foi como se houvesse perdido toda a capacidade de simulação, indo de encontro à verdade da sua ruindade, incapaz de suportar a culpa pessoal que havia se acumulado no seu espírito. E embora ele soubesse que era sempre perdoado pela patroa, escolheu terminar ali a sua vida repetitiva.

 

Nos episódios que se seguem, por consequência da sua morte, um soldado foi salvo da guerra. Tolstoi remata estes acontecimentos com a afirmação de que "a desgraça de uns é a felicidade de outros", o que encerra uma verdade inescapável, ainda que seja uma forma poética de exprimir algo.

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Por vezes, a arte é um processo catártico para a pessoa do artista, e nesse processo não é raro que se criem imagens aterradoras e destrutivas, como prediz a tradição da deusa indiana Kali, que destrói o que já não serve para depois construir a nova vida. É o que penso que aconteceu, por exemplo, em Werther, de Goethe, onde o autor conta uma história auto-biográfica, onde as cartas que compõem a obra são provavelmente reais, mas o desfecho que ele cria para o personagem Werther – um suicídio violento como fuga a um sofrimento insuportável – é como um ritual de aniquilação dessa parte do próprio autor, encenado com o fito de fechar o ciclo dessa dor e poder renascer para um período novo na sua vida. Talvez este processo esteja também na origem na obra Polikuchka, o Enforcado.

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Escritora

FRANCISCA SILVA

Da sede de conhecer

Ao abraço do Ser

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