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Sonata a Kreutzer

Liev Tolstoi

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Quando Tolstoi escreveu Sonata a Kreutzer ele tinha um objectivo específico, como ele próprio veio a explicar em posfácio – fazer uma apologia ao ideal da abstinência sexual.

 

Entendo que esta obra é, na superfície, um produto ideológico justificado por motivos teológicos. Olhando mais profundamente e juntando certos factos da vida do autor, percebo que é mais do que isso: é um produto da sua experiência matrimonial e da sua vivência com o sexo feminino, marcados por uma profunda desadequação, desconexão e sofrimento.

 

Sabemos pela sua pequena autobiografia Uma Confissão, que por volta dos 40 a 50 anos Tolstoi viveu um período de depressão intermitente, manchado por ideias de suicídio, ainda que, como ele próprio refere, fosse um homem renomado e aparentemente realizado em termos sociais e familiares. Também por meio dessa obra sabemos que o autor se converteu à Igreja Ortodoxa, segundo ele, levado à fé através da busca de um sentido para a vida, e foi posteriormente a isso que escreveu a Sonata a Kreutzer.

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A narrativa

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É a história de um homem que assassina a esposa num acesso de ciúme. Após anos mantendo uma relação marcada tanto por ódio quanto por amor carnal, eis que surge um terceiro personagem que se liga à mulher por meio da música, interesse que partilham. O marido, nossa personagem principal de nome Pozdnychev, percebe desde logo a potencial traição e, ao invés de procurar impedi-la, cria – consciente ou inconscientemente – todas as condições para que ela se realize. Não chegamos a saber se se realiza, mas o facto é que ele se convence de que foi traído, então mata a sua esposa.

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Análise LABORATORIUM

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O motivo do homicídio é anterior ao ciúme, e o ciúme parece ser uma justificação forçada de forma a mascarar as verdadeiras razões. É motivado por dois grandes factores: o fracasso em integrar a sexualidade na sua vida de forma saudável para o espírito, e, consequentemente, o seu fracasso em consolidar uma intimidade saudável no seu relacionamento.

 

“Minha mulher foi sempre para mim um enigma. Eu não a conhecia, senão no período animal.”

 

Existe uma ambiguidade neste acto. O homicídio apresenta-se para Pozdnychev como a única saída que pode pôr termo ao seu sofrimento, quase como um símbolo da sua vitória sobre a inquietação perante o mistério do feminino. Por outro lado, ele vê, instantes antes da consumação do acto, que “cometia qualquer coisa de muito horrível”.

 

Toda a narrativa se funda num princípio que considero falso: que a relação sexual é um acto imoral, independentemente de qualquer condição sob a qual seja praticado – mesmo, se não especialmente – dentro do matrimónio. Tolstoi argumenta no seu posfácio que o sexo dentro de um casamento é manifestação da infidelidade à doutrina de Cristo, sendo o ideal a castidade – que ele justifica em passagens como: “deixa a tua mulher e segue-me”. Porém, se a relação com as mulheres foi para a personagem, e provavelmente para o autor, um factor de sofrimento, não podemos encontrar a razão somente nas Escrituras, nem na conclusão a que ele chegou, baseada no livro sagrado, depois de anos de vivências tortuosas. A razão parece estar dada nos recalques da narrativa.

 

Vejamos: Pozdnychev relata a sua primeira experiência sexual como “uma queda”.

 

“Houve entretanto na primeira queda qualquer coisa de particular e de tocante. Lembro-me que depois de se ter consumado o acto me senti profundamente triste. Arrasaram-me os olhos de lágrimas, ao pensar na profanação da minha inocência, na eterna profanação das minhas relações normais com a mulher”

 

Desde esse momento, considera que o homem “nunca mais poderá ter relações fraternais, puras, com qualquer rapariga”.

 

Entendemos ao longo da narrativa que o olhar que Pozdnychev lança sobre a relação homem-mulher é focado na ideia de que a união sexual, ao invés de promover uma aproximação das almas produz um “abismo de delírio”. Se cada um de nós se reportar à sua própria experiência sexual, uns poderão identificar-se com esta imagem, outros não; alguns de nós poderão tê-la vivido e ela poderá ter causado impressão tal que terá marcado as nossas relações com o sexo oposto, provocando um determinismo nelas que nos parece impossível transcender; outros poderão tê-la vivido e ter mantido a esperança de que as relações podem e devem ser pontos de propulsão, por assim dizer, para cada uma das almas envolvidas, e não somente pontos de descida vertiginosa aos nossos mais sombrios abismos.

 

É certo que as relações homem-mulher são difíceis, complicadas e dolorosas; mas elas também são alegres, inspiradoras e realizadoras. Elas podem ser tudo isso, e isso dependerá de inúmeros factores, que vão desde a compatibilidade entre o carácter de cada um e os anseios de cada alma – a esfera da potência – até às percepções pessoais e aos comportamentos que cada um alimenta – a esfera dos actos.

 

Este personagem selou o seu destino na medida em que a cada nova experiência ele reforçava a distância que havia entre o seu íntimo e o da mulher perante si. A realidade é que o mergulho na intimidade partilhada exige grande responsabilidade perante o outro. Estar, de certa forma, em posse do íntimo do outro pressupõe que existe uma confiança, a qual se traída precipita de facto uma queda no isolamento, seja num ou noutro. Então o elemento essencial é a responsabilidade moral para com o outro, ou, se quisermos, o dever de amar o próximo.

 

A intimidade não é tarefa simples pois além de exigir dedicação pode ser assustador – conhecermos profundamente o outro e sermos conhecidos profundamente coloca-nos num estado de vulnerabilidade grave, e talvez seja esse um dos motivos pelos quais vemos na sociedade uma constelação de escapes, arquitetados com o fito de nos poupar dessa espécie de terror. Mas intimidade não é só isso. Também pode ser uma imensa consolação, e até mesmo mais um meio de nos conhecermos a nós próprios e à realidade, ou seja, um caminho para dentro do Ser. Parece, no entanto, que essa promessa se situa além do tal véu de terror.

 

A intimidade produz um vínculo moral entre os seres humanos e a responsabilidade de proteger esse vínculo recai sobre eles. A união sexual é um dos meios de se chegar à intimidade, porém, ela também pode ser um meio de produzir o exacto oposto, e um anula o outro. O que determina se ela vai ajudar a produzir um ou outro? Creio que a resposta foi dada acima, isto é, depende da compatibilidade a vários níveis entre as duas pessoas, bem como das suas intenções, escolhas e ações, além dos factores inconscientes.

 

A intenção que cada um coloca no acto sexual faz toda a diferença, como também faz diferença o grau de consciência que cada um manifesta sobre tal acto. Refiro-me aqui ao conjunto de ideias que construímos sobre a sexualidade, social e individualmente. Por exemplo, hoje pensamos que todas as relações sexuais consentidas são igualmente dignas e valorosas. Porém, a realidade física e a realidade da experiência nos relacionamentos diz-me que tem muito menos valor o sexo com uma pessoa com a qual nunca quereríamos procriar. Embora esta afirmação pareça antiquada e fundamentalista, ela é produto da observação da realidade, isto é, o risco que uma relação sexual comporta é incomensuravelmente superior ao prazer que ela pode proporcionar, se falamos de uma relação carnal, efémera e casual. Quando o acto sexual está encaixado numa estrutura física, psicológica e emocional que o integra como uma função benéfica da mesma estrutura, o risco diminui substancialmente.

 

É especialmente para as mulheres que o acto sexual abre caminho para a intimidade, mas o homem também tem essa consciência. Há homens que sentem isto com a mesma intensidade, mas a nossa cultura pressiona o género masculino a comportar-se de maneira contrária a essa consciência. Este é um dos pontos que Tolstoi invoca, e aqui ele está corretíssimo. A cultura popular, em todos os campos – entretenimento, saúde, educação, etc – incentiva os homens a priorizarem os seus impulsos mais básicos, e o advento da 2ª ou 3ª onda feminista conseguiu nivelar as mulheres por baixo, recompensando aquelas que alinham nesses mesmos comportamentos.

 

Pozdnychev diz:

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“Lembro-me do terror que senti no dia em que não paguei a uma mulher, verdadeiramente apaixonada por mim e que se me entregou. Só me tranquilizei quando lhe pude enviar o dinheiro, porque só assim me sentia moralmente desligado dela.”

 

Esta passagem revela a sua consciência, porém, ele não a analisa. O pagamento em dinheiro, como podemos observar pelo comportamento de muitos indivíduos destituídos de um sentido moral mais refinado, serve como atestado de “livramento”. Paguei, estou fora. Quantas transações deste género são feitas, dia após dia, minuto após minuto ao redor do mundo? Quantas acções na esfera moral são assim compensadas na esfera material? Existe justiça neste pacto? Enfim, Pozdnychev concluiu que o erro era o acto sexual em si, e não a sua resposta ao sucedido, nem mesmo a sua provável intenção pervertida.

 

Assim, um dos traços marcantes da nossa personagem é que ele nunca foi capaz de mergulhar na intimidade com uma mulher. Ele descreve a relação com a sua esposa como um jogo de esconde-esconde, em que quando os dois se encontram apenas dão origem a mais uma ronda de escondidas, e esse encontro dá-se sobretudo de forma física e concupiscente. Podemos dizer que os seus corpos se unem, mas nunca as suas almas. Estamos perante uma relação quase exclusivamente carnal, ironicamente consagrada pelo “santo” matrimónio.

 

A conclusão a que chego sobre este quadro é que nos encontramos perante duas pessoas que não só são incompatíveis a muitos níveis, como também não são capazes de admitir esse facto. Isto acontece constantemente na nossa sociedade. Não posso aqui deixar de trazer a noção de amizade verdadeira de S. Tomás de Aquino:

 

“Ubi vera amicitia est, ibi idem velle, et idem nolle, tanto dulcius, quanto sincerius.

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- Onde está a verdadeira amizade, aí está o mesmo querer e o mesmo não querer, tanto mais agradável, quanto mais sincero.”

 

Pozdnychev e sua esposa não tinham o mesmo querer nem o mesmo não querer, que é como dizer que não tinham entre si a amizade. Que há de mais essencial numa relação amorosa que não a amizade verdadeira? É certo que algumas relações funcionam em termos práticos sem ela, mas essas não alcançam o ideal. É também notado que aparentemente muitos de nós vivam bem sem que as nossas relações cheguem a esse nível, e esta é uma questão que se prende com os desejos da alma de cada um.

 

Observei que Tolstoi, ou Pozdnychev, de algum modo intuía isso. Ele intuía que faltava algo de essencial na sua relação, mas presumiu que esse algo era impossível de se materializar pela razão da imoralidade do sexo. Mas vejamos: Pozdnychev parece estar esclarecido e convencido dessa dedução, no entanto, o ciúme aparece na narrativa como um factor que o domina e é motivação para o desfecho. A pergunta que me surge no final da narrativa fechada é: por que um homem que tem como ideal a castidade se torna refém deste ciúme passional a tal ponto? Não seria possível isto. Daí deduzo que o argumento do ideal da castidade foi colocado APÓS a vivência desse sofrimento, como que para eliminá-lo, e não como CAUSA do sofrimento. É neste ponto que penso que Tolstoi errou no raciocínio.

 

Pozdnychev diz:

 

“As convenções sociais favorecem a maior e mais perigosa intimidade entre homens e mulheres e são torturantes para os homens ciumentos”

 

Embora aqui ele utilize a palavra “intimidade” no sentido de uma possível união sensual, posteriormente ele diz algo que parece trair as suas imaculadas conclusões. Quando a sua esposa, pianista, conhece o violinista com quem passará a ter um laço – embora nunca saibamos ao certo até onde vai esse laço – ele diz:

 

“Entregam-se ao estudo da mais bela das artes duas almas e a mais profunda intimidade cresce”

 

De um lado temos a sua relação com a esposa, uma relação fundada numa dualidade amor-ódio, em que o ódio sempre oculta o seu motivo, e o amor só se dá por meio do “sobressalto dos nossos sentidos”. É uma relação em que se olham sem nunca realmente se verem, carentes e frustrados nos seus sonhos pueris, sonhos que transformam o outro em um boneco cuja função última na vida é suprir os anseios passionais. Do outro lado temos a relação entre a esposa e o violinista, uma relação fundada num ponto de convergência entre as duas almas, duas almas que se dedicam com a mesma intensidade à exploração de uma arte e à construção de algo que os transcende.

 

Existe uma diferença abismal entre estas duas relações que podemos expressar de várias maneiras: uma consiste no vício, outra na virtude; uma virada para a camada da personalidade mais imatura, outra virada para o que pode construir no mundo; uma fechada numa redoma, a outra, aberta para um propósito.

 

O que não deixa de ser curioso é que Tolstoi e sua esposa, Sophya, eram parceiros na mesma arte, a literatura. Ela transcrevia e copiava as obras de Tolstoi, contribuía com ideias e até criou personagens nas quais o marido se inspirou. Porém, esta relação também era profundamente marcada por ódio e ressentimento que eles nunca puderam resolver. Isto é sabido pelos seus diários. Sophya escreve em seu diário que a Sonata a Kreutzer era, em muitos aspectos, um retrato do seu relacionamento, e no seu íntimo sentia-se profundamente humilhada pela execução da obra. Ela chegou a escrever dois romances como resposta – Whose Fault? e Song Without Words – publicados dezenas de anos após sua morte. É como se o seu relacionamento na vida real fosse uma fusão dos dois relacionamentos representados na obra. Em suma, e a meus olhos, esta obra assemelha-se mais a um apelo de socorro do que a uma apologia.

 

Ainda assim, há questões apontadas por Tolstoi que são da máxima importância para nós, e a primeira é: qual é o lugar e a função do sexo na vida humana?

 

Ele tinha razão ao condenar o desregramento sexual, mas sobretudo ao condenar o papel da sociedade na perversão do indivíduo. Penso que nos nossos dias esse problema se agravou, não só com a massificação da prostituição, mas também com a elevação da pornografia a cultura corrente. Não só ela é aceite, como é incentivada, e mesmo a nossa cultura popular de massas já ultrapassou os níveis de decência há algumas décadas. Tolstoi diz no seu posfácio:

 

“(...) os governos cujo único fim é o cuidado do bem-estar moral dos seus concidadãos fazem do desregramento físico uma instituição, isto é, regularizam a existência de uma classe de mulheres destinadas a morrer não só física como moralmente para satisfação das pretensas necessidades dos homens (…)

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Eu quis, portanto, provar que esta tese está errada porque é impossível que para a saúde de uns seja necessário fazer morrer os corpos e as almas dos outros”

 

Hoje temos a luta pela legalização e integração da prostituição no código laboral e no sistema fiscal, mas sobretudo temos a proibição de condenar tais comportamentos e escolhas de vida. Aquilo que se tolera numa sociedade facilmente se torna costume.

 

Outra questão importante ele levanta, embora pessoalmente eu considere que a sua análise é falha: a nossa cultura ensina-nos a esperar coisas irrealistas de um relacionamento amoroso, levando-nos a desejar possuir uma outra pessoa, reduzindo-a a um instrumento destinado ao nosso prazer ou pretensa felicidade.

 

Segundo Tolstoi, isto é errado pois o casamento limita as pessoas na medida em que as impede de cumprir o mais nobre dos propósitos, que é o serviço a Deus e à humanidade. Ele considera que a procura da união com o ser amado é um fim indigno do homem, e daí ele deduz que a castidade é o ideal a ser buscado.

 

Esta dedução é bastante discutível, e não parece razoável. É certo que procurar possuir alguém é um fim indigno, e também o é uma relação baseada na satisfação básica de carências próprias da imaturidade. O que não me parece indigno e que até considero um ideal é uma união baseada na definição de amizade verdadeira de S. Tomás de Aquino. Ao contrário do que Tolstoi conclui, há um espaço de sobra para a façanha de cumprir o serviço a Deus e aos homens no contexto de uma relação bem fundamentada como essa, nomeadamente, na educação dos filhos e nos projectos que podem surgir quando duas mentes e almas, em intimidade, se associam no desejo de cumprir tal serviço.

 

Porque Tolstoi assumiria que uma relação matrimonial não poderia ter esse potencial? Possivelmente pela sua ideia errada de que o sexo é, em si, um acto imoral, então, desde o momento do acto consumado entre marido e mulher, a relação está corrompida. E como poderia o sexo ser, em si, um acto imoral, se é ele que ocasiona o nascimento?

 

“Eu sei e estou persuadido, no Senhor Jesus, de que nenhuma coisa é de si mesma impura, salvo para aquele que assim a considera; para esse é impura.”

Romanos 14:14

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Escritora

FRANCISCA SILVA

Da sede de conhecer

Ao abraço do Ser

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